quinta-feira, 11 de outubro de 2012

O PROCESSO DA TERRITORIALIZAÇÃO DO SUS

Por Pablo Ruyz Aranha

A territorialização é uma forma de regionalização inframunicipal e atualmente é considerada como a mais importante estratégia operacional do Sistema Único de Saúde (SUS), efetivada através da Saúde da Família.

Seu processo é oriundo da elaboração teórico-metodológica sobre os Distritos Sanitários que se configurou como uma proposta particular brasileira decorrente da formulação da Organização Pan-americana de Saúde (OPAS) sobre os Sistemas Locais de Saúde (SILOS)[1].

 O relatado produzido por Eugênio Vilaça Mendes (1993a) na introdução do livro organizado e intitulado – Distrito Sanitário: o processo social de mudança das práticas sanitárias do Sistema Único de Saúde mostra que a representação brasileira da OPAS desenvolveu inicialmente, entre os anos de 1987 e 1988, através de seu Programa de Desenvolvimento de Serviços de Saúde, uma estratégia de difusão da idéia dos SILOS no Brasil, fomentada a partir de constantes atividades (reuniões, seminários e distribuição de material bibliográfico) em círculos acadêmicos e serviços de saúde, além de visitações a dezenas de municípios brasileiros (MENDES, 1993a).

Em seguida, a OPAS elaborou e financiou um projeto, no segundo semestre de 1988, denominado “Implantação de SILOS nos Estados” que foi experimentado em sete secretarias estaduais de saúde (MENDES, 1993a), dentre as quais se destacaram as secretarias dos estados da Bahia e de São Paulo pelos avanços significativamente obtidos.

A partir dessas experiências, verificou-se a necessidade de um desenvolvimento teórico e metodológico sobre a concepção de SILOS adequada ao Brasil. Neste sentido, foram promovidos seminários que articulou centenas de técnicos para a discussão de temas variados, como: Território, Cidadania e Saúde. O objetivo desses seminários foi fundamentalmente “[...] de se iniciar o processo de construção de uma teoria e de uma metodologia, referidas à cena brasileira, no campo dos Sistemas Locais de Saúde” (MENDES, 1993a, p.12).

Daí surgiu uma proposta teórico-metodológica sobre a concepção de SILOS adequada ao Brasil, que se deu a partir de contribuições de diversos campos científicos. Dentre essas concepções, se idealizou “[...] a visão de território-processo da nova geografia, especialmente, de Milton Santos” (MENDES, 1993a, p.12).

Essa “visão de território-processo” foi considerada como um dos “elementos teórico-conceituais que fundamentaram [...] o processo de distritalização” (MENDES, 1993b, p.160). Porém, o encaminhamento metodológico adotado, consequente dessa visão, foi que “um território-processo-base do distrito sanitário, deverá ser esquadrinhado de modo a configurar uma determinada realidade de saúde, sempre em movimento” (MENDES, 1993c, p.166).

Esse esquadrinhamento[2] do “território-processo-base”, que até hoje caracteriza o método operacional no nível local, é justamente onde surge a maioria dos problemas enfrentados atualmente pela Estratégia Saúde da Família (ESF), pois considera os lugares numa perspectiva geométrica ao invés de considerá-los em sua dimensão mais ampla, numa perspectiva profunda do cotidiano das pessoas nos lugares onde elas vivem, uma visão inspirada coerentemente com os princípios da Geografia Nova, como a concepção escolhida pela metodologia.   
  
Atualmente, a base estruturante da Estratégia Saúde da Família do SUS segue essa mesma lógica de esquadrinhamento, diferindo apenas, por exemplo, o Território-Área[3] que hoje corresponde à Área de Abrangência da Unidade de Saúde da Família.

Essa Área ou Território-Área, que refere à primeira subdivisão do Território-Distrito[4], é que deveria ser delimitado e consequentemente estudado pela Geografia Humana[5], segundo a referida metodologia. Contudo, o que se constata, é que a Geografia durante esse processo foi anunciada, mas não enunciada. Tanto que a própria utilização da noção de território nesse processo de construção metodológica da terriorialização foi feita sem maiores critérios científicos disciplinares, o que evidencia a ausência ou a escassez de geógrafos na construção desse processo.
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Pablo Ruyz Aranha é Bacharel em Geografia (UFRN), Especialista em Gestão Ambiental Urbana (UFRN), Mestre em Geografia na área de Dinâmica e Reestruturação do Território pelo Programa de Pós Graduação em Geografia (UFRN).


[1] A ideia dos SILOS tinha como objetivo, segundo Mendes (1993a, p.11), “[...] buscar modelos de intervenção sobre a realidade local, através da mudança das práticas sanitárias”.
[2] Metodologicamente o esquadrinhamento propôs que subdivide-se o território do Distrito Sanitário em 4 territórios: Território-Distrito, Território-Área, Território-Microárea e Território-Moradia. Além disso, também propôs que “cada um desses territórios estruturam-se por lógica própria, tem objeto diferenciado e sustenta-se em disciplinas distintas” (MENDES, 1993b, p.167).


[3] O Território-Área para Mendes (1993b, p.168) “significa a área de abrangência de uma unidade ambulatorial de saúde e delimita-se em função do fluxo e contrafluxo de trabalhadores de saúde e da população num determinado território”.
[4] O objeto do Território-Área e do Território-Distrito são similares, ambos apresentam características administrativo-assistencial e a disciplina que subsidia sua delimitação é o planejamento urbano (MENDES, 1993b).
[5] Segundo Mendes (1993b, p.168), “a disciplina que, fundamentalmente suporta a delimitação do Território-Área é a geografia humana”


BIBLIOGRAFIA


MENDES, Eugênio Vilaça. Introdução. In:______ (Org.). Distrito sanitário: o processo social de mudança das práticas sanitárias do Sistema Único de Saúde. São Paulo - Rio de Janeiro: HICITEC-ABRASCO, 1993. p. 11-17.

______. et. al. Distritos sanitários: conceitos-chave. In:______ (Org.). Distrito sanitário: o processo social de mudança das práticas sanitárias do Sistema Único de Saúde. São Paulo - Rio de Janeiro: HICITEC-ABRASCO, 1993. p. 94-159.






















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